Você sabe o que é gestação molar?

12/16/2024

Esse texto vai ser um pouco diferente dos anteriores do blog. Mais informativo, longo, e ainda mais pessoal. Mas acredito que ele seja necessário. Talvez seja algo que alguém precise ler e não faz ideia.

Em 2024, com 34 anos, eu fiquei grávida pela primeira vez. Alguns podem achar tarde, para mim não era. Foi o tempo que eu precisei para começar a saber o que queria, e mesmo assim, eu não tinha certeza. Meu marido tinha certeza, eu não. Nas palavras da minha terapeuta “o que para ti era dúvida, para ele era certeza”. Enfim, deixando essa parte do querer (que é muito importante) de lado um pouco, vamos passar para algumas questões mais práticas. Quem nunca esteve grávida antes não sabe o que esperar, não sabe o que é “normal”. Centenas de mulheres, conhecidas e desconhecidas, podem te falar como foi a experiência para elas, e é possível que seja difícil comparar, pois podem existir centenas de experiências diferentes. Grávida sente enjoo, mas quanto de enjoo é esperado? Grávida fica cansada, mas quanto de cansaço é esperado? Duas perguntas que eu descobri uma resposta depois de um tempo, e a minha resposta não era comum nem regular.

Quando engravidei eu estava na melhor forma física, mental e organizacional da minha vida. Tinha uma rotina de sono impecável, me alimentava muito bem, praticava exercícios físicos seis vezes por semana, bebidas alcoólicas já não existiam na minha vida há muito tempo. Por todos os padrões de saúde eu estava muito acima da média, e isso não é falta de modéstia, é apenas para entender um pouco mais da doença que eu tive. Todo mundo sabe que a gestação apresenta suas dificuldades e mudanças, mas não é doença. O problema para mim é que eu estava grávida, e doente. Eu só não sabia.

No primeiro mês ninguém sabe de nada, nem a própria grávida. E eu vivia uma vida intensa fisicamente, em relação ao esporte e ao trabalho. Então, no primeiro mês eu fiz tudo que vinha fazendo nos meses anteriores. No segundo mês eu descobri que estava grávida, e só o que mudou foi que adaptei parcialmente meus exercícios físicos, mas ainda fazia a mesma frequência e numa intensidade que para outras grávidas poderia parecer bastante. Nesse segundo mês eu tinha um pouco mais de fome e um pouco mais de sono, mas nada fora do normal no meu entendimento.

Assim que começou meu terceiro mês de gestação, tudo mudou. Começou com um aumento do enjoo e da náusea, devagar. Não achei estranho. Então, o enjoo não passava, e eu simplesmente achei que tinha dado azar e seria uma grávida que tem enjoos terríveis, mas que durariam apenas o primeiro trimestre. Eu não vomitava muito, então seguia não me preocupando muito. Apenas era desagradável e eu tinha que aguentar mais um pouco até melhorar. Mas então o mal-estar e o enjoo eram tão presentes que afetaram massivamente o meu apetite e capacidade de me alimentar. Eu não conseguia comer, nem alimentos bons, nem “porcarias” por muito tempo. A boa alimentação que eu tinha antes foi definhando (assim como eu) porque às vezes eu não podia nem com o cheiro dos alimentos. Nem água era tranquilo de tomar mais. Tudo tinha gosto diferente e não era nada apetitoso. O enjoo não era só de manhã, nem só de tarde, era praticamente o dia todo. Às vezes deitar ajudava, outras vezes piorava e eu tinha que ficar sentada. Se eu vomitava, não melhorava, até piorava e eu demorava um dia para voltar ao nível de enjoo que para mim já era “regular”. Eu tinha quase medo de escovar os dentes, aumentava o enjoo. Se eu ficasse muito tempo sem comer, a náusea piorava, mas assim que eu comia, ela também piorava por uns trinta minutos e depois estabilizava. Durante todas essas semanas que se passaram com o enjoo nunca indo embora, eu perdi peso, perdi musculatura, não conseguia comer bem, e consequentemente não conseguia treinar. De certa forma fiquei infeliz, porque não conseguia fazer nada. E uma grávida infeliz é uma grávida que sente culpa, portanto, já estava afetando minha saúde mental. Ler era difícil porque ficar olhando para as letras e linhas aumentava a sensação de náusea. Essas duas coisas eram extremamente frustrantes para mim. Quem me conhece melhor sabe. Quem era Morgana sem poder ler e fazer exercícios físicos direito?

Eu ainda não tinha respostas. Como não sabia o que realmente era esperado ou não, eu fiz a única coisa que eu poderia fazer. Eu fui aguentando como conseguia. Até que alguns fatores incomuns começaram a surgir. Eu completei o primeiro trimestre e o enjoo não parou nem diminuiu. Tentei descobrir o sexo do bebê e o exame de sexagem fetal deu inconclusivo três vezes. E um dos quesitos avaliados na ultrassonografia de primeiro trimestre deu levemente alterado. Esse último indício pedia maiores investigações. E então eu comecei uma saga de exames. Duas médicas olharam as imagens da ultrassonografia e pediram que eu repetisse o exame com um especialista fetal. Fui para outra cidade para realizar essa consulta, e realmente, o médico suspeitou de um problema sério. Como ultrassom não é diagnóstico, precisei fazer uma amniocentese (aquele exame com uma agulha grande na barriga para coleta de líquido amniótico – que contém os cromossomos do feto). E foi então que eu passei a conhecer a Doença Trofoblástica Gestacional (DTG), ou Gestação Molar. Tudo isso escrito assim parece que foi rápido, mas foram semanas de enjoo excessivo, investigações e exames, e é claro, espera e incerteza (talvez a pior parte – especialmente para uma pessoa naturalmente controladora como eu). Mas enfim, eu sabia qual era o problema. E além de tudo, a minha DTG era de um tipo mais raro, chamado de Mola Hidatiforme Incompleta.

A Doença Trofoblástica Gestacional é basicamente uma doença da placenta, que acontece por causa de um “erro” na fecundação. Para colocar em termos compreensíveis, ela ocorre, por exemplo, quando dois espermatozoides fecundam um óvulo. Quem lembra um pouco se estudou genética, nós temos 46 cromossomos (23 cromossomos da mãe e 23 cromossomos do pai). No caso do meu bebê, ele tinha 69 cromossomos, o que é conhecido como triploidia. Como eu disse anteriormente, a DTG é uma doença da placenta, portanto a placenta apresenta um crescimento anormal. Na Mola Hidatiforme Incompleta existe a placenta “anormal”, mas também existe presença de feto, o que pode dificultar um pouco o diagnóstico no início, especialmente no meu caso, que o feto tinha batimento cardíaco (e ele teve até o fim das 16 semanas de gestação). Um bebê com 69 cromossomos é incompatível com a vida, e uma placenta com crescimento anormal representa risco de vida para a mãe, com risco de neoplasia. Portanto, minha gestação precisou ser interrompida.

É uma notícia que nenhuma grávida, mãe ou pai quer receber. Mas é o que é. Eu não sou o tipo de pessoa que fica se perguntando o porquê de acontecimentos que não têm porquê. Não foi nada que eu ou meu marido fizemos, nós não causamos a doença, ela simplesmente aconteceu conosco. Agora, em retrospecto, gosto de pensar que fui forte. Fui o mais forte que consegui. Tanto antes, quando eu não fazia ideia do que estava acontecendo, quanto depois, quando eu sabia exatamente o que estava acontecendo e fui seguindo todos os passos necessários para a manutenção da minha vida, literalmente, com a mente firme (triste, com certeza, mas não desesperada).

Aqui não vou entrar em detalhes dos procedimentos médicos que passei, não vem ao caso para este texto. Fui encaminhada para um centro médico especializado em DTG, e só posso dizer que fui extremamente bem tratada, considerando a gravidade da situação e dos procedimentos. Meu bebê não poderia se desenvolver e viver, então com 16 para 17 semanas, minha gestação foi interrompida. Mas ele também era forte, e o coração dele bateu até o fim. Ele existiu, era nosso, nós vimos ele e sempre lembraremos dele. Eu fiquei para contar a história e para, possivelmente, ser capaz de gerar outra vida no futuro.

Acredito que muitas mulheres, talvez futuras mães, nunca ouviram falar desta doença. E se minha história e meu texto servirem pelo menos como informação nova para quem potencialmente precisa saber, já ficarei contente. Mas não foi só por isso que escrevi. Essa não é uma história triste. É só uma história de uma vida normal, impactada por um acontecimento incomum. Um acontecimento sério, potencialmente perigoso, mas que terminou da melhor forma possível. A causa da doença pode não ser conhecida. Como eu disse, isso não importa. Mas isso não quer dizer que o acontecimento em si não teve um porquê. Acredito que ele teve sim. Eu passei por isso porque eu podia passar, porque eu sobreviveria, e sairia mais forte. É simples assim. Além disso, o que antes era dúvida para mim, agora é certeza. Esse sim, é um motivo muito importante. Eu sou o tipo de pessoa complexa, que às vezes precisa saber e sentir na pele como as coisas são e o que eu estaria perdendo. Então, para mim, essa experiência era necessária.

Por sorte, hoje eu entendo um pouco mais sobre a Doença Trofoblástica Gestacional, e sei que as chances de acontecer de novo são as mesmas de acontecer pela primeira vez. Ou seja, são chances muito pequenas, que de forma alguma devem representar um medo significativo para qualquer mulher, eu incluída, que queira ter filhos. Pode ser que as situações não aconteçam por acaso, mas mais importante que um porquê, é como decidimos enfrentar o que acontece com a gente.